A máquina ainda tentou sabotar o operação, obrigando-me a repetir três vezes o processo de obtenção das impressões digitais. Poderia ter sido o poder da sugestão a impedir que a epiderme mantivesse os relevos próprios das pontas dos dedos, mas duvido. Comentei que podíamos ficar por ali, uma vez que não fazia assim tanta questão de dar exemplares de impressões digitais a ninguém (ou, já agora, daquilo que parecia ser um digitalização - mal disfarçada de fotografia - da retina e da íris), mas, aparentemente, não foi muito convincente. Com ajuda de creme hidratante e muita paciência a coisa acabou por funcionar. E ainda tive de pagar no final. É como ser violado por um grupo de bandidos e ainda ter de agradecer quando eles se dão por satisfeitos. E dar-lhes o número de telemóvel para nos ligarem quando lhes apetecer (nesta parte, ao menos, deu para fingir que não tinha).
Trata-se de um pequeno plástico para controlar todos os tratamentos médicos que se recebem, onde se recebem, quem os concede e como o faz. Para saber em que escola se andou, durante quanto tempo se andou e designar para que estabelecimento de ensino se irá a seguir. Quanto se declara em termos fiscais, que tipo de trabalho se tem, e para quem é feito. Que propriedades, veículos e contas bancárias podemos ter em nosso nome. Que tipo de compras tentamos apresentar como deduções e em que quantidades. Quem são os progenitores e quanto devem eles receber por existirmos. Quanto devemos nós receber por termos filhos e a quanto teremos direito quando nos reformarmos. Quanto se deve obrigar o nosso empregador a pagar por nos empregar. Onde moramos, onde nascemos, quando nascemos - e, em conjugação com o cada vez mais idêntico irmão passaporte, por onde andamos e por quanto tempo o fazemos. E porquê. As relações amorosas que temos. Onde e quantas vezes votamos. Em que eleições votamos. Quanto mede a nossa estrutura óssea. Como é a nossa geometria facial, a cor do nosso cabelo, da nossa pele, dos nossos olhos. Como assinamos. Num futuro talvez não muito distante, a identificação inconfundível do veículo que conduzimos e da sua exacta localização. Para além das retinas, das íris e das impressões digitais, o nosso código genético. E com isso, as nossas doenças congénitas, as nossas propensões para doenças, comportamentos de dependência, tendências sexuais. Potenciais capacidades cognitivas e problemas psiquiátricos. Prováveis traços de personalidade...
Há dias em que é tão bom recordar que vivemos em liberdade e que a escravatura já foi abolida.
Trata-se de um pequeno plástico para controlar todos os tratamentos médicos que se recebem, onde se recebem, quem os concede e como o faz. Para saber em que escola se andou, durante quanto tempo se andou e designar para que estabelecimento de ensino se irá a seguir. Quanto se declara em termos fiscais, que tipo de trabalho se tem, e para quem é feito. Que propriedades, veículos e contas bancárias podemos ter em nosso nome. Que tipo de compras tentamos apresentar como deduções e em que quantidades. Quem são os progenitores e quanto devem eles receber por existirmos. Quanto devemos nós receber por termos filhos e a quanto teremos direito quando nos reformarmos. Quanto se deve obrigar o nosso empregador a pagar por nos empregar. Onde moramos, onde nascemos, quando nascemos - e, em conjugação com o cada vez mais idêntico irmão passaporte, por onde andamos e por quanto tempo o fazemos. E porquê. As relações amorosas que temos. Onde e quantas vezes votamos. Em que eleições votamos. Quanto mede a nossa estrutura óssea. Como é a nossa geometria facial, a cor do nosso cabelo, da nossa pele, dos nossos olhos. Como assinamos. Num futuro talvez não muito distante, a identificação inconfundível do veículo que conduzimos e da sua exacta localização. Para além das retinas, das íris e das impressões digitais, o nosso código genético. E com isso, as nossas doenças congénitas, as nossas propensões para doenças, comportamentos de dependência, tendências sexuais. Potenciais capacidades cognitivas e problemas psiquiátricos. Prováveis traços de personalidade...
Há dias em que é tão bom recordar que vivemos em liberdade e que a escravatura já foi abolida.
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